A Verdade que Auschwitz nos ensina

Enfraquecida por uma vida de duras provas, Paula se movia com dificuldade pelas salas do “Prédio do Memorial” de guerra. Toda a trágica história desenrolava-se, à medida em que ela passava de uma parede para a outra, onde estava em exposição a evidência do documentário. Uma fotografia de tamanho natural, atraiu particularmente a atenção de Paula. Aproximando-se, ela subitamente deixou escapar um grito, petrificada. Ela estava olhando para o seu próprio retrato.

Uma visita ocasional a um “kibbutz” com um museu do gueto, evocaram memórias que inundaram a mente da judia polonesa: as condições desumanas do Gueto de Varsóvia; a crescente tensão, as mortes brutais dos membros de sua família; o desaparecimento dos irmãos menores, transportados para um destino desconhecido. Em 1942, a jovem de 23 anos era a única que restava da sua família. Sob grande risco pessoal, um cristno polonês compadecido, ofereceu-lhe um esconderijo no seu porão, juntamente com outras 37 pessoas, em sua maioria judeus.

Mas, quando a situação foi-se tornando cada vez mais crítica, esse polonês finalmente teve que implorar-lhes que se fossem, não vendo mais nenhuma esperança de que nem eles, nem sua própria família, pudessem sobreviver. Assim, após somente 11 dias de estar no esconderijo, Paula aventurou-se a sair pelas ruas do Gueto. Inevitavelmente, ela foi presa e enviada para Maidanek, um campo de extermínio, onde foi submetida a todas as crueldades e indignidades imagináveis, e até mesmo usada em experiências feitas pelo monstro nazista Dr. Mengele. Ainda assim, naquele inferno sobre a terra, Deus estava lá e manteve a Sua mão protetora sobre ela, conforme ela mesma testemunhou mais tarde.

Se alguém tinha o direito de estar amargurado, esse alguém com certeza seria  Paula. Ela havia perdido a sua família e a sua casa sob as mais horrendas circunstâncias; havia testemunhado atrocidades sem precedentes, e em seguida, teve de começar a sua vida de novo, em Israel. Espantosamente, ela não estava amarga. Quando ela compartilhou conosco a sua história, não havia nenhum traço de rancor.

Paula, que havia sido chamada para ser testemunha no julgamento de Eichmann, e que teve o privilégio de acender a primeira vela no Yad Vashem (Memorial do Holocausto, em Jerusalém), no dia anual em memória das vítimas do Holocausto, estava livre de amargura. É compreensível que o perdão não vem tão facilmente para todos.

Desiludido com a humanidade, um oficial israelita de alta patente, e antigo rabino que havia sobrevivido a Auschwitz, fez um voto de jamais pronunciar novamente, uma só palavra de alemão. Mas o seu coração foi tocado profundamente, quando a nossa fundadora, Madre Basilea Schlink, sinceramente pediu-lhe perdão pela culpa da sua nação. Dentro dos próximos poucos meses, ele veio a ter uma fé viva em Deus.

Existe uma ligação entre o arrependimento dos alemães e a receptividade espiritual do povo judeu? Benjamin Berger de Israel, acredita que sim. Durante uma recente permanência conosco, ele descreveu uma visita a Auschwitz, onde pôde sentir que o sangue dos inocentes ainda clamava da terra. Ele sentiu que as lágrimas dos alemães sobre o passado, ajudariam a remover a enorme montanha que bloqueia o caminho do povo judeu.

Isto tem base em levantamentos que revelam que o Holocausto é o maior empecilho para que os judeus creiam em Deus.

Arrependimento pela culpa nacional, e, em particular, pelo crime contra o povo judeu, é uma característica da nossa Irmandade, que foi fundada logo após a II Guerra Mundial. Isto deu origem a muitas atividades práticas como: servir voluntariamente nos hospitais israelenses; oferecer hospitalidade a testemunhas judias em julgamentos de nazistas na cidade vizinha de Frankfurt, na década de 60.

No desejo de fazer reparações pelo passado, a Madre Basilea abriu também, em 1961, uma casa em Jerusalém. Ali, em “Beth Abraham”, os sobreviventes do Holocausto podem vir para gozar de um tempo de descanso e refrigério, cercados de um ambiente agradável. Através das devoções diárias das Escrituras do Antigo Testamento, muitos retornaram à fé de seus antepassados. Seguindo a longa história da perseguição aos judeus, que começou com o trabalho forçado sob Faraó, eles conseguem ver como a Aliança de Deus para com eles ainda vigora. Ele jamais os abandonou.

Mesmo no vale da sombra da morte, Ele estava com eles. Embora jamais possamos sarar as feridas, um gesto ou um sinal de amor, podem ser uma gota de bálsamo. Uma hóspede que havia se mantido todo o tempo em silêncio, começou a abrir o seu coração depois de ver um pequeno presente sobre o seu guardanapo na mesa: um pássaro feito artesanalmente à mão.

Emoções há muito sufocadas, vieram à tona, à medida em que revivia a cena. Ela havia sido colocada numa fila para ser fuzilada pelo nazistas, quando ela orou: “Oh! Deixa-me ser um passarinho e sair voando.” Inexplicavelmente, a sua vida foi poupada. A visão do pássaro ornamental sobre o guardanapo trouxe-lhe de volta, memórias com as quais ela jamais pudera lidar. Isso foi o princípio de um processo de cura.

Qual é a mensagem do Holocausto para o mundo, em geral?

Muitos judeus têm expressado o medo de que aquilo que já aconteceu uma vez, poderia acontecer novamente. Um arcebispo católico declarou: “Tem-se dito que depois de Auschwitz, não se pode mais acreditar em Deus. Minha reação seria justamente o contrário. Auschwitz mostra-nos do que são capazes as pessoas, quando desprezam Deus e Seus Mandamentos e exaltam a sua própria vontade, fazendo dela uma lei absoluta.”

O desprezo por Deus logo leva ao desprezo pelas pessoas. Esta é a verdade eterna que Auschwitz nos ensina, embora, infelizmente, não seja pela última vez.

Um visitante polonês que havia sofrido imensamente durante os trágicos acontecimentos da II Guerra Mundial, observou que a ascensão do nazismo poderia ter acontecido em qualquer país.

Se não tivesse sido pela passividade de quase toda a comunidade mundial, Hitler não poderia ter levado avante o extermínio em massa dos judeus. Na conferência de Evian-les-Bains na França, especificamente convocada pelo Presidente Roosevelt em julho de 1938 para discutir o destino dos judeus europeus, apenas três, de trinta nações, aceitaram voluntariamente receber uns poucos milhares de judeus. Os informantes nazistas relataram prontamente a Hitler: “Faça o que quiser com o judeus; o mundo inteiro não os quer”. Logo após isso, aconteceu a Kristallnacht (Noite dos Cristais- ataque maciço organizado pelos nazistas contra sinagogas, casas e propriedades de judeus.)

Com suas rígidas leis de imigração, os canadenses e os americanos abandonaram um número incontável de judeus à sua sorte durante o Holocausto, conforme está documentado em “None is Too Many” (Nenhum já é Demasiado). Os suíços também fecharam suas fronteiras. Os relatos de que comunidades judaicas estavam perecendo nas câmaras de gás, foram tratados com descaso ou descrédito pelos Aliados.

Mesmo antes da guerra, Carl Goerdeler, um estadista alemão, morto mais tarde pela sua oposição ao nazismo, repetidamente alertou os governos da Inglaterra, França e EUA, que Hitler estava determinado a destruir primeiro os judeus e, depois, os cristãos. Foi recebido com ceticismo e ampla repulsa: Um bom patriota não denuncia seu próprio governo. Quanto a Adam von Trott zu Solz, um outro mártir do Terceiro Reich, ninguém levou a sério suas palavras, considerando-as grandemente exageradas; foi preferida a política de apaziguamento.

O governo britânico em interesse próprio nacional, acomodou-se, renegou as suas promessas aos judeus, e impiedosamente fechou as portas aos milhares de judeus que fugiam para a Palestina em busca de asilo, durante e imediatamente após a era nazista.

A tragédia do “Struma” deverá permanecer para sempre marcada com ferro em brasa na consciência nacional dos britânicos. Após ter sido despachado de Israel pelos ingleses que não lhe deram permissão para atracar, o navio foi torpedeado no Mar Negro, no inverno de 1942; e, dos 769 refugiados a bordo, somente um escapou.

O mundo cristão em geral deve carregar a responsabilidade por tornar o nome de Cristo e a Cruz, repulsivo para os judeus. O registro aterrador inclui: as Cruzadas, a Inquisição, os guetos e os “pogroms” (massacre de judeus). Começou tudo bem inocuamente, conforme ressalta a Madre Basilea. No âmbito teológico foi expressada dúvida de que os judeus ainda fossem o povo da aliança. Não haviam os cristãos assumido o lugar deles como o povo da Nova Aliança? A Igreja Cristã então espiritualizou e apropriou-se das promessas de então feitas para Israel, deixando-os com os julgamentos.

Isto é essencialmente uma Teologia de Substituição, que permanece conosco até os dias de hoje.

Contudo, o Apóstolo Paulo declara enfaticamente, que Deus não rejeitou o Seu povo. E ele alerta os cristãos: “Não te glories sobre os ramos… sabe que não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti… Não te ensoberbeças, mas teme” (Romanos 11.18-20).

Se amamos a Deus, amaremos também o povo a quem Ele ama… A Palavra de Deus permanece para sempre… “Bendito os que te abençoarem, e malditos os que te amaldiçoarem” (Números 24.9)

A verdade, conclui Madre Basilea, é que não somente fracassamos em amar o povo judeu, mas também, através de nossa inclemente atitude, temos proporcionado a eles uma imagem distorcida de Deus, a quem afirmamos servir.

Um pequeno episódio num hotel, no lugar de veraneio à beira-mar chamado Netanya, em Israel, pode servir como ilustração. Naquele sábado pela manhã, um grupo de peregrinos falando alemão, estavam cantando durante um culto, com orações por Israel. Compreendendo somente a palavra: “Shalom” na canção, judias francesas que estavam no hotel ficaram curiosas e, através de um intérprete perguntaram por que motivo os cristãos estavam cantando canções hebraicas.

Quando os peregrinos explicaram o seu amor por Israel, e do seu desejo de compensar pelos males do passado, a perplexidade das judias aumentou: “Mas, jamais, ouvimos dizer que os cristãos tivessem amor por nós. Vimos para cá anualmente, para estar com o nosso povo onde não somos odiadas.”

Diante disso, uma enfermeira pediu perdão, com lágrimas nos olhos.

“Não; não; você não deve chorar! Você não é má”, protestou uma delas.

Nesse meio tempo, todas as mulheres judias estavam chorando. Ali no saguão do hotel aconteceu uma reconciliação, em meio a calorosos abraços e troca de endereços…

Quão apropriadas são as palavras do profeta Isaías para os nossos tempos: “Preparai o caminho ao povo; aplanai, aplanai a estrada, limpai-a das pedras” (Isaías 62.10). Pelo nosso arrependimento, podemos ajudar a remover estas pedras e preparar o caminho para o povo escolhido de Deus.